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segunda-feira, 18 de julho de 2011

Memórias de sensações - Man-Chá 16.07

No dia da apresentação, já não fazia o frio terrível como em outras semanas.
Porém chuvia. Às vezes mais forte, às vezes um nublado, muita umidade.

A performance foi realizada na Travessa dos cataventos da CCMQ.
Bem em frente aos cinemas.

Uma mesa de madeira.
Um tecido branco com o poema Man-Chá escrito por cima da mesa escorregando pelo chão.
Objetos em cima da mesa: Quatro cumbucas brancas de plástico. Um bule.
Instrumento Gongo.
Esse era o cenário.

Estávamos com nossas coisas no 4º andar da CCMQ. Nesse momento, após arrumar roupas, cabelos, chegou o momento de concentração.
Em roda, nos demos as mãos e algumas palavras de agradecimentos e inspiração.
Nos aproximamos testa com testa, nos afastamos segurando as mãos umas das outras e nos inclinamos para trás. Momento de uma confiar na outra, cumplicidade.
Aí surgiu a idéia de realizarmos um movimento parecido a esse na performance no momento que nos encontrávamos no centro.
Assim, idéias foram incorporadas até o última hora, permitindo os sentimentos que aconteciam.

Estando prontas, com tecidos amarrados nos braços, descemos as escadas, andar por andar até o térreo.

Lá fui eu primeiro, caminhei até a mesa, peguei a cumbuca e o bule, virei para o público e comecei a servir. Larguei o bule e bati no gongo.

Uma primeira marcação de tempo, do que estava pra acontecer.
Comecei meu caminhar. Segurando a cumbuca e com as 3 camadas de tecido amarradas nos meu braços. Caminhava lentamente. A cumbuca com um pequeno furo permitia que a tinta que servi do bule, passasse lentamente para o tecido através de gotas.
Gota por gota caia no tecido que eu sustentava nos braços. Eu olhava, por vezes contemplando o bule, a tinta, por vezes, o tecido, as manchas.

A Michele foi a segunda a sair da casa e caminhar até a mesa.
Quando ela passou por mim, interferiu no meu movimento. Fiz um giro. Existiu uma modificação no espaço. Já não estava sozinha. Ela reverberou em mim.

Quando tocou o gongo após servir seu "chá" eu fiquei estática.
Isso também interferiu.
O som estridente, causou um impacto, um silêncio de movimento,
no som do instrumento.

As gotas continuavam a cair. A mancha crescia.
Respingos nos tecidos amarrados a mim. Nas minhas camadas.

A terceira mulher foi a Cibele, agora éramos 3 mulheres. Quando ela passou por mim, da mesma forma, interferiu na minha caminhada, um giro novamente.
Assim também quando bateu o gongo.

A quarta a caminhar até a mesa, foi a Lara. Agora estávamos em 4 mulheres num mesmo ambiente. Cada vez mais modificado, mais interferências, quando ela passa por mim, novamente um giro.
Na batida do gongo, mais uma imobilidade do meu corpo.

Nesse momento já senti vontade de largar minha cumbuca, eu já estava manchada o suficiente. Chega de "sangrar".
Larquei a cumbuca na mesa e novamente bati o gongo.

Momento de suspensão. O que vou fazer agora?
Não tenho mais comigo o que me fazia "sangrar".
Mas ainda estou presa e sustendo essas marcas.

Com minhas duas mãos livres, posso me permitir mais movimentos.
Meu corpo tem mais liberdade, mas vou com calma.
Estou começando uma nova fase, um novo período do meu ciclo.

As outras mulheres ainda estão segurando suas cumbucas,
suas manchas começam a surgir aos poucos.

Começo com movimentos de balançar as camadas de tecido.
Ninar. Contemplar pra entender o que tenho nos meus braços.

Meu caminhar já é um pouco mais dinâmico.
Aos poucos vou tentando levar esses tecidos ao vento. Tornar leve.
Ou abraçá-lo junto ao peito. Um carinho.

Observar ele, seu movimento diante do meu.
O que eu faço que nele reverbera.

Cada vez que uma das mulheres larga sua cumbuca na mesa,
bate novamente no gongo.
Esse som, causa impacto.
Diante de dessa nova relação com os tecidos, com a mancha,
quando há o som do gongo no ar, há o momento de parar,
sentir e perceber o que será feito em diante.
São as pausas que temos que nos permitir.

Aconteceu um imprevisto.
A Cibele e a Lara demoraram para largar suas cumbucas, porque as tintas que carregavam estavam muito grossa e quase não passava no furo de suas cumbucas, ficando quase sem manchas em seus tecidos.
Aguardavam ao máximo para criar alguma mancha.
Todas partiram para um momento improviso da performance.

Eu e a Michele ampliamos nossos momentos com os tecidos enquanto aguardávamos as outras duas. A Lara em seguida se juntou a nós duas e por último a Cibele.

Chegou nosso momento de realizarmos o movimento da nossa concentração.
Testa com testa ao centro do ambiente. O momento que esclarecíamos nossa cumplicidade. O momento de olharmos uma para outra.

Daí começa nosso jogo de movimento, interferências umas nas outras.
Harmonia, relações entre cada uma.
A intensidade dos movimentos aumenta, a velocidade,
a vontade de soltar esses tecidos.

A Lara sendo a primeira a levar esses tecidos ao chão foi caminhando até chegar bem em frente a uma mulher e se abaixou, de joelhos no chão permaneceu durante um tempo, logo atrás foi a Michele, ajoelhada com seus tecidos na frente.
Na sequencia eu e depois a Cibele.

Cada uma teve seu momento.
Antes de me virar para frente ajoelhada, precisava olhar para cima, a mancha na altura do meu ventre antes de ir de encontro ao chão.

A Lara foi a primeira a desamarrar as tiras dos braços e abrir os seus 3 tecidos no chão em um na frente do outro.
A Michele foi a segunda.
Eu fui a terceira, desamarrei lentamente puxando as fitas e soltando delicamente, para deixar minhas marcas com cuidado.
Atrás de mim a Cibele também desamarrando seus tecidos para ficarem ali no chão.

os 12 tecidos ficaram estendidos formando uma fileira.
Um rastro das marcas, das camadas de 4 diferentes mulheres.
3 diferentes manchas de cada.
Caminhamos lentamente de costas olhando para o que permaneceu.
Em seguida, leves, soltas, viramos para frente e com um novo olhar para nova caminhada.
Entramos pela porta contrária que saímos.
Voltamos para casa, retornamos ao 4º andar.
Olhamos de cima o que ficou, o que fizemos.

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